“[…]. No silêncio da caminhada, quando acabamos perdendo o uso das palavras – porque não fazemos mais nada a não ser andar, e é preciso desconfiar dos guias de expedições que decodificam, detalham, informam, pontuam a caminhada com denominações e explicações (os relevos, a forma das pedras e das encostas, o nome das plantas e suas virtudes), fazendo acreditar que há um nome para tudo o que se vê, uma gramática para tudo o que se sente –, nesse silêncio escutamos melhor, então, pois escutamos, por fim, o que não tem nenhuma vocação de ser traduzido, recodificado, reformatado. ‘Antes de falar, um homem deve ver’*.”
Frédéric Gros, Caminhar, uma filosofia, trad. Célia Euvaldo
Estamos aproveitando esse espaço de comunicação com vocês para tentar elucidar nosso posicionamento em relação ao uso da linguagem fotográfica. Em nossas cartas mais recentes, falamos sobre a importância das formas – sendo as formas as matérias-primas de qualquer imagem –, sobre responsabilidade ética, sobre a necessidade de nos deixarmos permear pelo contexto social, político e cultural no qual estamos inseridos.
Foi o Marcelo que me apresentou esse trecho do livro Caminhar, uma filosofia e, enquanto escrevo, tento eu mesma entender por que ele me soa tão preciso. Acho que me atraio pela ideia do direito ao silêncio e pelo entendimento de que não há sentido em atribuir palavras a tudo que vemos. A fotografia, sendo imagem, é uma expressão difícil de traduzir em palavras. Mesmo as poesias, que se valem de palavras, são, da mesma forma, intraduzíveis. A comunicação em um poema se dá pelas entrelinhas, por aquilo que não está objetivamente nas palavras. Como encontrar, então, correspondentes para esse ocultamento em outros idiomas? Com a fotografia é bem parecido. Como achar palavras que descrevam o que se percebe nas entrelinhas das formas? Não há nome para tudo o que se vê.
Sabemos bem que esse posicionamento pode ser mal interpretado. Ou pode ser usado para mascarar a fragilidade de trabalhos pouco expressivos ou herméticos demais. Nós não defendemos a arte como manifestação ensimesmada, da qual o único propósito seria alguma forma de elaboração de emoções e experiências pessoais. Dizer que defendemos o direito ao silêncio significa dizer que achamos que uma imagem não precisa ser explicada com palavras. Estamos resguardando a fotografia, entendendo-a como uma expressão visual e autônoma. Uma boa imagem dá conta daquilo que expressa.
Acreditamos na arte como ferramenta – sensível – de comunicação. Essa comunicação se faz por meio de um jogo entre objetividade e subjetividade, pensamento e emoção. Em uma fotografia, são as formas, e não os discursos, que devem ser precisas para que essa comunicação aconteça.
As imagens são do trabalho Voice (2018-19), da Jungjin Lee
*Henry David Thoreau, Journal 1837-1861, trad. R. Michaud e S. David. Paris: Denoël, 1986.
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Helena Rios e Marcelo Greco