exposição Formas Curiosas de Respirar. Espaço Contraponto | 13 de novembro a 15 de dezembro de 2012

artistas: Bernardo Dorf, Haroldo Saboia, Helena Rios, Luciana Mendonça e Márcio Távora

curador: Marcelo Greco

Quando abrir a porta e assomar a escada, saberei que lá embaixo começa a rua; não a norma já aceita, a floresta viva onde cada instante pode jogar-se em cima de mim como uma magnólia, onde os rostos vão nascer quando eu os olhar, quando avançar mais um pouco, quando me arrebentar todo com os cotovelos e as pestanas e as unhas contra a pasta do tijolo de cristal, e arriscar minha vida enquanto avanço passo a passo para ir comprar o jornal na esquina.

Julio Cortázar (História de Cronópios e Famas, 1964, p.16)

Talvez a respiração se aproxime da linguagem poética. Respirar: ato contínuo, involuntário, que se alimenta de matéria abstrata, incontrolável e impalpável, que é o ar. Por meio de um método e de um procedimento transforma o ar em força motriz, força ativa. Respirar é afirmar a vida como relacional. É compreender a vida como interdependente; o ato de respirar transforma matéria intangível em libertação. Um procedimento similar ao da linguagem que convoca a matéria abstrata do caos para dar sentido a ele, para nomear, para relacionar e assim libertá-lo de sua condição carente de significado. Respirar é a afirmação de um diálogo natural do mundo, como a poesia. Quantas formas de respirar cabem nesse diálogo?

O título da exposição provém de um livro que data dos anos 30. Se intitula The Wonder Book of Would you Believe it?. O livro é um clássico almanaque de histórias, fatos e dados estranhos e curiosos acerca da biologia, física, matemática, geografia e outros campos do conhecimento científico. O capítulo homônimo à exposição circunscreve a bichos e plantas que possuem procedimentos incomuns para respirar. Aparelhos respiratórios complexos, estratégias de sobrevivência que desafiam nosso conhecimento sobre o mundo e nos confrontam com realidades aparentemente estranhas.

Como uma ação simples e ordinária, o respirar pode ser tão múltiplo no seu exercício. Como algo tão importante para os seres pode tornar-se refém do véu indiferente do cotidiano, do automatismo, das escolhas vazias do hábito? Será que poderíamos pensar em algo como uma nova ética do respirar? Do mesmo que pensou Ítalo Calvino em seu livro Seis Propostas para o Novo Milênio, no qual o autor italiano indica que devemos pensar uma nova ética da visão, novos modos de olhar o mundo. Como ver num mundo no qual a lente do habitual se faz presente sempre? De que modo o criador de imagens, das mais variadas formas, posiciona-se diante deste cenário? Como conseguir que os vestígios deixados pelo artista ao longo de um percurso não devaneçam tão instantaneamente? Que ele seja capaz de traçar linhas de fuga em uma paisagem cristalizada de sentidos, apesar da apropriação imediata do mundo e da saturação das imagens, que soterram as experiências.

Julio Cortázar em seu livro Histórias de Cronópios e Famas cria um manual de instruções que nos dá pistas e nos indica como o gesto poético é capaz de evidenciar as lacunas, as fendas da linguagem, construindo novas analogias e, deste modo, novos mundos. O autor evidencia que o cotidiano pode e deve necessariamente ser colocado em xeque. De modo que o autor possa se lançar ao desafio poético, aos jogos de linguagem e ao risco da criação. Desta maneira, buscando formas curiosas de apreensão do mundo. Realizando uma operação de reinvenção, de transformação contínua do mundo – contínua quanto o respirar – como num eterno espelhamento, insinuando novas dimensões, novas ficções. E, assim, afirmar o invisível da vida e sua interioridade transbordante.

Este pequeno almanaque aqui exposto é fruto de um percurso iniciado há alguns anos. Para alguns artistas, ele tem mais de trinta anos e para outros vinte e poucos. Ela não surgiu como uma faixa de terra ou ilha que se forma por meio de um erupção repentina de um vulcão. Ela sedimentou-se como um sambaqui, ao sabor do vento, que cresceu sem noção de limites e fica à mercê das intempéries. Os trabalhos habitarão este espaço durante um mês, arriscam-se a inserir novos contornos ao lugar, transformando-o ao longo de várias semanas, antes e depois da abertura ao público.

Parafraseando Cortázar, sugerimos: para respirar, dirija a imaginação a você mesmo e, se isto lhe for impossível por ter adquirido o hábito de acreditar no mundo exterior, pense num pato coberto de formigas ou nesses golfos do estreito de Magalhães nos quais não entra ninguém, nunca. Duração média da respiração: de um a cinco minutos.

Haroldo Saboia
São Paulo, novembro de 2012