imagem Machiel Botman
Semana passada, enviamos a vocês a primeira parte desta reflexão sobre uma possível crise das formas na fotografia. Falamos sobre a fotografia expressiva ser reconhecida como arte visual, o que significa, entre outros aspectos, que ela tem a visualidade como principal ferramenta de apreensão; e falamos, também, sobre a matéria visual de uma fotografia ser sempre o conjunto de suas formas.
Em uma arte visual, são as formas que nos atraem (às vezes por sua harmonia, outras por sua força, sutileza, estranhamento etc); são as formas, também, que ‘desenham’ tudo aquilo que está presente em uma imagem e que se traduz em mensagem para o espectador.
Sobre essa primazia das formas, gostamos muito das colocações do artista plástico Sérgio Fingermann quando ele defende que não precisamos conhecer a priori as ‘dores’ do autor para que sejamos capazes de entrar em contato com seu trabalho; o caminho deve ser outro: por meio do trabalho, das formas, podemos adivinhar as dores do artista, ou do grupo do qual ele faz parte.
Ao refletir sobre o que tem sido legitimado como boa fotografia hoje, ao menos em alguns cenários no Brasil, temos nos perguntado com alguma frequência: vivemos uma crise das formas na fotografia? Parece-nos que, em algumas partes, temos vivido uma supremacia dos temas sobre as formas. Ou seja, o assunto de um trabalho torna-se mais importante do que sua qualidade formal.
Por qualidade formal não nos referimos a elaborações técnicas ou virtuosismo. Estamos falando sobre a capacidade expressiva de uma imagem, que é algo que não se faz simplesmente de concepção intelectual, mas, também, de sensibilidade, de domínio de uma linguagem, de pertinência em relação ao tema trabalhado, de magia, de responsabilidade. Há muito o que se dizer sobre os aspectos que conferem qualidade expressiva a um trabalho; faremos isso aos poucos, por aqui e por meio de nossa página no Instagram. Sabemos que esse é um assunto importante, inclusive para embasar essa crise que estamos investigando, mas hoje vamos nos limitar a introduzir a discussão sobre uma possível supremacia dos temas em relação às formas.
Vamos pensar sobre um exemplo: é comum, hoje, a legitimação de trabalhos que têm como tema questões relacionadas a grupos que, até hoje, tiveram pouco espaço no campo das expressões. Não somos, de maneira nenhuma, contrários a esses movimentos de inclusão e legitimação — por parte de instituições e de iniciativas independentes — de trabalhos de indivíduos pertencentes a grupos minoritários. A importância dessas ações é inquestionável e vemos muitos bons trabalhos fotográficos ganhando visibilidade a partir dessas iniciativas. Mas é verdade, também, que vemos muitos trabalhos que nada têm de potência visual sendo legitimados como bons trabalhos de fotografia.
A partir do ponto de vista que defendemos acima, sem formas potentes que estruturem um conteúdo, não há um trabalho de arte visual. Pode haver discurso, ativismo, articulação intelectual e boas manifestações por meio de muitas outras linguagens. Mas, se não forem as formas as principais portadoras da opinião de um autor, não há arte visual. E, sendo assim, por que limitar a fotografia a ser, nesses casos, secundária com fantasia de primaz?
São muitas as questões que temos nos colocado. Teria-se perdido a capacidade de avaliar a potência visual de uma imagem? Quando um trabalho possui um tema socialmente importante, fica mais difícil julgar suas formas e questionar sua qualidade expressiva? É mais fácil fazer uma seleção quando ela está baseada em assuntos sócio-políticos já legitimados e desejáveis? Ficamos, como sociedade, presos às modas, reproduzimos o que já vem sendo feito e deixamos de lado a pluralidade – tão bem-vinda – das linguagens?
No início de janeiro voltaremos a essas reflexões. Esperamos que vocês estejam bem, que possam descansar um pouco; e que tenhamos todos um novo ano de bons trabalhos e de alegrias.
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Helena Rios e Marcelo Greco