Por Marcelo Greco

As ideias aqui apresentadas foram expostas em palestra ministrada durante o 18º Festival de Libros de Fotografía & Arte Gráfico (Felifa), Buenos Aires, Argentina, em 10 de novembro de 2023.

Gostaria de agradecer aos organizadores do Felifa pela oportunidade de participar e compartilhar minha experiência. Quero agradecer especialmente à Laura Lavergne. Peço desculpas por não falar espanhol. No Brasil, o sistema educacional nos prepara para olharmos para o Norte e não para os nossos vizinhos. Por isso, as escolas ensinavam o francês como segunda língua até a ditadura e, depois desse período nebuloso, o inglês. Tenho tentado corrigir essa falha, mas ainda sou muito limitado para poder me expressar corretamente em espanhol. Por isso irei ler minha apresentação e, assim, evitar falar de forma espontânea e utilizar termos poucos compreensíveis.

Minha experiência

Sou apaixonado por livros. Tive uma infância cercada de estantes e de pessoas aficionadas por literatura. O livro é um universo de fabulações único. Desde o início de minha carreira como fotógrafo e como professor, o livro sempre esteve presente como ferramenta de expressão artística e, também, como base para as minhas pesquisas e ensinamentos. É com enorme paixão pelo livro, mas, também, com preocupação com o futuro desse suporte maravilhoso que farei hoje minha apresentação.

Como autor, sempre acreditei que meu trabalho tem no livro sua melhor expressão. Mesmo tendo essa clareza, demorei muitos anos até me sentir confortável para publicar meu primeiro livro. Foram necessários quase 15 anos para eu acreditar que meu trabalho estava maduro e que merecia ser publicado. Percebo, nos autores de hoje, urgência de visibilidade e de expressão que não condizem com o tempo que um livro necessita para ser criado.

Esse é um ponto importante a ser colocado. O livro dura no tempo, ultrapassa a nossa própria existência. Sua criação deve ser regida por uma lógica muito diferente daquela que norteia uma exposição ou os meios virtuais, onde o conteúdo, apesar de ficar latente na internet, normalmente é efêmero e dura pouco mais de alguns minutos. Acho, inclusive, que a pressa virtual, que gera publicações prematuras, é responsável por materiais de baixíssima qualidade. Um pensamento meu…

Por sua existência longa e pelo entendimento de que, depois de publicado, o livro passa a ser um objeto emancipado, é responsabilidade do autor colocar no mundo um material que tenha consistência, que carregue suas mensagens de forma eficaz e séria. Todo o processo de criação – edição, design, textos, traduções, produção gráfica – até o produto final deve ser cuidadosamente elaborado. A responsabilidade, do meu ponto de vista, é enorme. Deixaremos uma obra circulando por muito tempo e se há falhas por falta de experiência ou descuido, elas irão repercutir até o infinito. Não se deve ter pressa no processo de amadurecimento de um livro.

Além disso, estamos vivendo um momento de mudança de atitude em relação ao consumo dos recursos do planeta. Isso vale para objetos físicos com livros ou exposições mas, também, para o mundo virtual, que consome matéria-prima e energia de forma absurda, apesar de nos venderem a ilusão de que não provoca danos. Nossa geração, gostando ou não, tem responsabilidades inadiáveis com o futuro da Terra.

Voltando às questões das publicações, minha experiência está pautada na publicação de 7 livros individuais com tiragens e conceitos distintos e, como orientador e editor, na criação, de forma direta ou indireta, de mais de 50 livros. Alguns deles estão circulando aqui pelo festival.

Produção Gráfica no Brasil

O Brasil é um país com particularidades que devem ser esclarecidas. Apesar de seu grande território, de ter uma população que está hoje próxima a 220 milhões de pessoas e de ter a 9ª economia do mundo, sofre enormemente com a desigualdade social que tem como uma consequência a impossibilidade de acesso à boa educação e cultura por parte significativa da população. Além dessa condição social, que restringe o mercado de livros, temos no Brasil uma indústria gráfica muito cara. Existem incentivos fiscais para a produção e comercialização de livros, mas, ainda assim, a produção é muito custosa para os padrões de consumo de nossa sociedade. Com as seguidas crises econômicas que vivemos nos últimos 10 anos, esse cenário se agravou, gerando redução da indústria gráfica e diminuindo, assim, a concorrência.

Existem diferentes tecnologias para a produção de livros no Brasil. No entanto, o maior volume está sendo produzido com o sistema offset ou com o sistema digital que no Brasil chamamos de offset digital. Essas tecnologias determinam algumas características físicas do livro e influenciam sua comercialização.

A impressão no sistema offset é feita por meio da gravação de chapas metálicas fotossensíveis para os diferentes canais de cor (CMYK e cores especiais, quando necessárias). Depois de gravadas as chapas e de feitos os ajustes da máquina – que são específicos para cada projeto –, a impressão de grandes quantidades de folhas é rápida, o que torna o sistema adequado à produção de tiragens elevadas. Como o custo fixo inicial é alto – devido à necessidade de gravação das chapas e de ajuste das máquinas, além dos muitos investimentos de instalação e manutenção dos parques gráficos –, o sistema não é apropriado à impressão de poucos exemplares. Porém, quando consideradas as produções de grandes tiragens, o valor unitário dos livros é baixo.

O sistema offset possibilita excelente qualidade de impressão com altíssima resolução, uso de cores especiais e de uma grande variedade de papéis, além de maior flexibilidade nos projetos gráficos. Entre outros aspectos, isso se deve à forma como a tinta é aplicada sobre o papel e penetra no substrato. Com isso, temos livros que transmitem experiências visuais, táteis e olfativas únicas. Há, claro, o desafio da obtenção dessa qualidade, já que ela depende de conhecimento técnico, estudo e olhar apurado dos profissionais envolvidos.

O processo de offset digital utiliza máquinas menores e não necessita de chapas metálicas físicas, o que diminui o custo inicial das produções. Usando esse sistema, temos a oportunidade de produzir livros em pequenas quantidades, com maior agilidade nos prazos de produção, além de novas possibilidades como, por exemplo, a variação de conteúdo por livro impresso. O custo total da produção tende a ser mais baixo – já que a quantidade mínima de livros pode ser menor –, o que viabiliza muitos projetos. Porém, quando consideramos baixas tiragens, o custo unitário dos livros é mais alto.

A tecnologia de impressão em offset digital tem sido aprimorada, mas ainda apresenta desvantagens técnicas quando comparada ao sistema de impressão em offset. A impressão se dá por meio da aplicação de uma estrutura (película) sobre o papel, o que diminui as características de tato e olfato e gera algumas limitações nos acabamentos do livro. Outro ponto delicado é que a impressão em offset digital gera brilho excessivo nas áreas escuras das imagens.

Voltando aos preços das produções, precisamos entender a comparação entre as duas tecnologias. Os custos de criação artística de um livro, ou seja, tudo aquilo que precede a produção gráfica – direção artística, edição, projeto gráfico, diagramação, tratamento de imagens, elaboração de textos, revisão, traduções etc –, são os mesmos, independentemente do sistema de impressão escolhido. Na determinação do valor de venda de um livro, e considerando um cenário sustentável, esses custos serão divididos pela quantidade total de exemplares produzidos. Os gastos com impressão e acabamento seguem a mesma lógica e se diluirão na tiragem. Como mencionei, o sistema offset de impressão possui alto custo inicial, mas a produção de uma grande quantidade de exemplares dilui esse custo, gerando livros de preços unitários mais baixos. O sistema offset digital possui custos fixos iniciais um pouco mais baixos – não há a necessidade de gravação de chapas e de grandes espaços para o maquinário, mas devem, sim, ser considerados os investimentos com equipamentos, manutenção e insumos, a necessidade de mão-de-obra especializada e, quando consideramos a pré-produção dos projetos, os gastos com fechamento de arquivo, testes de impressão e ajuste das máquinas – que serão, porém, divididos por um número menor de exemplares, o que gera livros com maior custo unitário. Temos aqui uma situação bastante delicada de ser analisada já que, muitas vezes, nós, autores e editores, caímos no canto da sereia da tecnologia de offset digital.

Com essa nova tecnologia, houve uma explosão de novas publicações. No Brasil, a quantidade de títulos novos que surgem mensalmente é enorme. Em cada festival – existem vários no país – o volume de livros sendo ofertados é realmente impressionante. Essa situação parece muito positiva, mas tem apresentado alguns resultados sobre os quais devemos refletir. A facilidade em se publicar de forma independente ou com menores recursos – graças aos custos de produção gráfica mais reduzido – não tem gerado livros de boa qualidade sob diversos aspectos.

Quando analisamos produções pequenas e/ou independentes, vemos que os serviços necessários à criação artística dos livros têm sido realizados pelos próprios autores – nem sempre preparados para a execução de tais tarefas – ou por meio de parcerias, de forma que os custos relativos a esses serviços não “precisem” ser considerados no preço final do livro. Se os valores de todas as etapas do projeto forem considerados, o livro produzido em offset digital praticamente se inviabiliza. É verdade que, se o autor e seus parceiros estiverem realmente preparados para os trabalhos, a qualidade dos livros não fica comprometida. Mas, de qualquer maneira, trata-se de um trabalho não remunerado e isso não é sustentável a médio prazo. Eu estou há quase 20 anos envolvido na criação de livros, fui proprietário de uma editora e atualmente sou sócio, com minha parceira Helena Rios, de um selo editorial. Devo dizer que não me sinto preparado para assumir todas as etapas fundamentais da produção de um livro. Não quero dizer que não existam pessoas qualificadas para isso, mas o que constato, no mercado brasileiro, é que uma parte considerável das publicações apresenta problemas relevantes. Entender como as imagens se relacionam entre si e como se relacionam com os espaços em branco das páginas, dominar a materialidade do objeto, prevendo as consequências de sua manipulação e de seu armazenamento, entre outros tantos saberes relativos aos livros, exigem estudos e conhecimentos muito específicos. O design deve estar em função de um pleno acesso ao conteúdo e não ser simplesmente uma ferramenta de vaidades. Tenho visto projetos que não suportam manuseios básicos e que, ao serem colocados e retirados da biblioteca, se danificam. O sucesso de um trabalho não está somente nas boas intenções do autor e, sim, no objeto final. Precisamos evoluir do experimentalismo para um patamar mais maduro e consciente sobre o que representa criarmos e comercializarmos um livro.

Os dilemas da comercialização e da distribuição

A crise do livro de literatura, exceção feita ao período pandêmico (refiro-me à Covid-19), em que as vendas de livros foram altíssimas, é evidente. O hábito da leitura tem caído regularmente no Brasil e esse fenômeno não está relacionado à mudança de plataforma, mas, sim, à falta de tempo livre e de interesse da sociedade. Apesar da grande difusão de imagens nas mídias em geral, o livro de fotografia (que podemos chamar literatura visual) ainda é muito restrito a um público “especializado”. O livro de fotografia está inserido no contexto de crise de consumo de conhecimento em geral, crise essa que se agrava quando somada à cultura do espetáculo trazida pelas mídias sociais.

Existe, assim, um cenário problemático: excesso de produções – muitas vezes de baixa qualidade –, alto custo unitário dos livros, crise no meio educacional e cultural e sua decorrente restrição do público consumidor. Como sociedade, precisamos colocar esses pontos em discussão.

Nesse cenário, acho muito difícil conseguirmos expandir o público consumidor de nossas criações. Sem um novo público, iremos continuar a desenvolver e publicar livros para nossos parceiros de criação, ou seja, para um universo que não tem capacidade financeira de absorver a quantidade de produção, sobretudo com os problemas de custos e qualidade que têm se apresentado. Nosso desafio não é pequeno. Estamos disputando espaço com a indústria do entretenimento. Instituições como museus e fundações caíram nessa armadilha.

Gostaria de compartilhar uma experiência. Eu oriento e faço parte de um grupo de fotógrafos autores chamado A Barca. Desde 2019, publicamos 3 edições coletivas. A distribuição d’A Barca é gratuita e está sempre atrelada à compra de um livro de fotografia nas lojas de um de nossos parceiros – atualmente a Lovely House, a Editora Origem e a Rios Greco. Foi uma maneira que encontramos de estimular a compra e a circulação de livros de fotografia e, também, de chamar a atenção para o contexto no qual estamos inseridos.

Para terminar, espero não ter criado um cenário apocalíptico. Desejo, sim, provocar os agentes deste universo maravilhoso que é a literatura visual a alcançarmos um novo patamar de discussão sobre como e para quem realizamos nossas obras. Sou um otimista no potencial dos livros, mas precisamos rever a situação que vivemos pois, no formato atual, não conseguiremos ir muito longe.

Obrigado.


Marcelo Greco nasceu em São Paulo, Brasil, em 1966. É fotógrafo, professor de Fotografia Autoral, orientador em grupos de estudos e desenvolvimento de projetos de expressão pessoal e criador do selo editorial Rios Greco. É autor de 7 livros individuais de fotografia: Fogueira Doce (Vento Leste, 2023), Abrigo (Editora Origem e Rios Greco, 2020), Lágrimas Perdidas (edição do autor, 2017), Sombras Secas (Schoeler editions, 2015), Internal Affair (Schoeler editions, 2013), Brasília – Coleção Passaporte (Schoeler Editions, 2011) e Tempos Misturados (Schoeler Editions, 2010).