Não sei se todos vocês já conhecem A Barca. Ela é uma publicação coletiva, assinada por fotógrafos orientados pelo Marcelo e editada por nós, da Rios Greco. O primeiro número foi lançado em 2019, o segundo em 2021 e o terceiro está em fase final de produção e será lançado em breve.

Além de ser uma das autoras, outra função que assumo nesse projeto é propor a edição – a sequência e, em alguns casos, a seleção das imagens. Não executo a tarefa sozinha, divido sempre minhas ideias com o Marcelo. No caso d’A Barca, o processo de edição tem sido cada vez mais compartilhado entre os autores e, também, cada vez mais desafiador. Hoje vou contar algumas camadas dessa experiência de construção de um trabalho coletivo. 

O que significa dizer que A Barca é uma publicação coletiva? O que, no processo de elaboração da publicação, é desenvolvido coletivamente? Onde repousam as individualidades dos autores?

Quando fizemos A Barca #1 (2019), decidimos que cada autor teria uma dupla de páginas para usar como quisesse. Essas duplas foram colocadas em sequência de forma a manter preservadas as individualidades artísticas dos fotógrafos. O principal objetivo d’A Barca #1 era apresentar seus participantes. A publicação configurou-se como um agrupamento das diferentes identidades.

N’A Barca #2 (2021), nossa proposta foi diferente: começamos o processo com cada autor apresentando uma pequena sequência, já estruturada. Em geral, essas sequências eram partes de trabalhos já mais aprofundados dos autores. Esses fragmentos foram colocados em uma determinada ordem e, dessa vez, nossa preocupação era garantir a boa fluidez do olhar do espectador. Acabamos criando uma narrativa, deixando os trabalhos individuais interferirem levemente uns nos outros.

Para A Barca #3 (2022) nossa ideia foi avançar no sentido da integração dos trabalhos. Começamos o processo com os autores apresentando ao grupo uma ou algumas imagens, vindas de pesquisas imagéticas desenvolvidas ao longo do ano. A escolha dessas imagens já vinha carregada da ideia que cada um tem sobre a identidade do grupo. Como se, como autores, nos perguntássemos: “Dentro do trabalho que venho desenvolvendo, o que tem a ver com A Barca?”. Com parte desse material em mãos já pudemos esboçar algumas conexões e vislumbrar os assuntos de nossa A Barca #3. Cada novo trabalho que ia sendo incluído – ou seja, cada nova parte – mudava leve ou bruscamente o todo. Muitas vezes, uma nova parte fazia com que toda a sequência fosse alterada. Acho que não há outra maneira de criar o todo quando ele é feito por partes tão diferentes, nesse caso, os diferentes autores.

Meu processo de edição d’A Barca #3 se deu de forma bem mais livre, tanto na proposta de sequência quanto de tamanho e disposição das imagens nas páginas. Mas devo dizer que essa liberdade foi conquistada ao longo dos anos de trabalho com A Barca. Essa espécie de emancipação veio de meu engajamento com o processo do grupo e com os processos individuais dos autores. Dessa forma, pude de fato amarrar os trabalhos em uma narrativa única. Mas isso sem deixar as identidades se dissolverem no todo. E era esse o desafio.

Para que, em determinado momento, possamos começar a pensar em algo coletivo, é necessário que, antes, cada autor esteja percorrendo seu próprio percurso artístico de maneira autônoma. É dessas pesquisas individuais que surgem os fragmentos que compõem os diferentes números d’A Barca. É, também, nesses percursos individuais e soberanos que cada autor cria sua própria identidade artística. Somente a partir da existência prévia dessas identidades artísticas é que podemos criar uma publicação coletiva, integrando imagens de diferentes fotógrafos e, mesmo assim, mantendo suas individualidades.

Somos hoje 19 autores, com nossas afinidades e diferenças. Mas estamos inseridos em um mesmo mundo e em um mesmo tempo. Os temas com os quais trabalhamos n’A Barca estão relacionados àquilo que temos em comum. Eles surgem do compartilhamento de nossas pesquisas artísticas individuais e, consequentemente, do compartilhamento de nossas posturas em relação à vida.

O projeto d’A Barca é experimental e nos permite agir de maneira nova a cada número. Não sabemos onde mora o equilíbrio entre o individual e o coletivo em uma publicação como essa, mas estamos bastante atentos e interessados nesse pêndulo.

A narrativa apresentada n’A Barca #3 é composta por imagens de todos os 19 autores, por textos da Juliana Monteiro (nossa artista convidada) e pela transcrição de um pequeno poema concreto do Augusto de Campos. Em breve, teremos lançamento do 11º Festival de Fotografia de Tiradentes (MG) e, ainda sem data definida, um lançamento na Lovely House, em São Paulo.

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Helena Rios e Marcelo Greco